Publicação: 31/08/2012 06:00 Atualização: 31/08/2012 06:50
A incerteza e a insegurança jurídica tomaram conta das instituições federais de ensino em Minas Gerais. Um dia depois de a presidente Dilma Rousseff sancionar a Lei das Cotas, restou a indefinição sobre o que de fato deverá ou não ser cumprido a partir do início de 2013. Nas universidades e nas escolas técnicas, ninguém sabe o que fazer e, mesmo entre os reitores, até a data para aplicação das medidas ainda gera dúvidas. Nesse cenário nebuloso e com tantas incógnitas, a única saída é esperar a regulamentação da lei, prevista para ocorrer até o fim de setembro, de acordo com o Ministério da Educação (MEC), responsável pelo esclarecimento dos questionamentos. Algumas instituições estão em uma situação ainda mais difícil, casos da UFMG, com inscrições abertas para o vestibular, sem saber quais mudanças deverá fazer, e da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), que está com edital pronto para ser publicado.
De acordo com a Lei das Cotas, a reserva de vagas nas universidades e escolas técnicas ocorrerá por curso e turno. As vagas serão preenchidas prioritariamente por negros, pardos e indígenas, segundo a proporção dessas populações no estado onde está localizada a instituição divulgada pelo censo do IBGE de 2010. Do total de vagas disponíveis para cotistas, 50% serão destinados a alunos da rede pública cujas famílias têm renda de até um salário mínimo e meio (atuais R$ 933) per capita. Para acesso às universidades pela cota, o candidato deverá ter cursado todo o ensino médio na rede pública. Para ingresso nos institutos e centros federais de educação tecnológica, a base é o ensino fundamental. As instituições terão até 2016 para se adequar, mas devem destinar 12,5% do total de vagas para as cotas a cada ano.
O ministro Aloísio Mercadante informou que as regras valem para o vestibular de 2013. As instituições que têm dois vestibulares ao ano poderão prever a reserva para o segundo semestre. As outras devem cumprir a norma no início do ano. O reitor da UFMG, Clélio Campolina, informou que é preciso aguardar a regulamentação para tomar qualquer decisão, que deverá passar ainda pelo crivo do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. “Vamos cumprir a lei com muita serenidade e, assim que houver a regulamentação, tomaremos as decisões que forem necessárias. Temos de esperar para sabermos, por exemplo, se poderemos usar os critérios antigos para 2013”, disse, se referindo ao sistema de bônus da instituição. No último vestibular, a universidade teve 33% dos aprovados beneficiados pelo sistema que, de acordo com a cor e a rede de ensino, propicia um acréscimo na nota do candidato.
REUNIÃO Pró-reitores de várias universidades discutiram a questão ontem, durante fórum em Belo Horizonte. Eduardo Magrone, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na Zona da Mata, teme impactos diretos no Enem e no Sistema de Seleção Unificada (Sisu). “Está havendo um erro e quem pode esclarecer é a Procuradoria. É temerário fixar essas regras para um certame que começará em 4 de novembro”, diz. “O edital do Enem, que já está com as inscrições encerradas, é um problema jurídico. O candidato ao Sisu é candidato a todas as universidade, mas só em tese, porque, na prática, ele ainda tem que escolher a universidade na sua região. E eles estavam já se preparando para o certame que será regido pelas regras atuais, que prevê cada universidade com sua ação afirmativa, e não pela Lei das Cotas”, avalia.
No caso da UFJF, o impacto pode ser negativo no primeiro momento. Atualmente, a universidade oferece 50% das vagas para alunos de escola pública e se encaixa em quase todos os critérios da nova lei, exceto o da faixa salarial. Magrone também espera a regulamentação para saber se a UFJF poderá manter essas proporções para a próxima seleção, ou se deverá se adequar integralmente às novas regras. “Teremos de revogar todas as nossas resoluções aprovadas no conselho para dotar os 12,5% já para este ano. Os potenciais cotistas vão perder. Sou um dos maiores defensores do Enem, mas agora estou muito apreensivo. Esse assoberbamento só vai prejudicar política de cotas e o Enem”, ressalta.
Candidatos
Ingrid Felomensch sabe que o sistema de cotas aumentou a concorrência e, por isso, intensifica os estudos |
Enquanto as indefinições perduram nos
câmpus, estudantes preferem não esperar por mais decisões e redobram os
estudos para vencer a concorrência. Candidata a engenharia química,
Ingrid Felomensch, de 17 anos, aluna do Colégio Magnum Buritis, na
Região Centro-Sul de BH, diz que a preparação continua a mesma, mas
reconhece que a dificuldade aumentou. Na escola, a lei se tornou motivo
de discussão em sala de aula. “Meu curso já era bastante concorrido e,
assim, vai ficar ainda mais”, afirma.
Para a adolescente, a inclusão passa por outra questão: “Acredito que essa lei não é medida eficiente para a resolução da problemática da educação, que envolve a questão do ensino básico. É preciso investimento no ensino básico, não no superior. O governo está protelando esse problema e causará um novo”. Supervisora do ensino médio da escola, Cristiane Augusta Lopes concorda com a aluna. “O governo diz que é maneira de tirar um obstáculo em favor da democratização. Mas democrático seria uma educação básica de qualidade no sistema público”, avalia.
Editais suspensos
Publicar os editais de vestibulares sem saber como será a regulamentação da Lei das Cotas é um dos principais imbróglios das instituições federais de ensino. De pés e mãos atados, reitores decidem se esperam alguma definição para divulgar as informações já com eventuais mudanças ou se o fazem correndo o risco de anulação das regras do processo seletivo. Na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), em Uberlândia, o documento está pronto, mas, em vez de ser conhecido hoje publicamente, como estava previsto, precisou fazer escala na assessoria jurídica. O reitor Virmondes Rodrigues Júnior preferiu pedir uma revisão para saber se precisará aplicar as cotas no concurso para ingresso em 2014 ou se precisará fazer a adequação já.
“Não sabemos também a área a que se refere a lei para a definição da quantidade de alunos negros, pardos e índios, se é a região do Triângulo, do alto Paranaíba ou o estado. Há algumas questões que as pessoas têm levantado, mas ainda não chegamos a uma resposta objetiva”, disse o reitor. Ele destacou que não teme uma queda na qualidade da instituição. “Mais da metade de nossos alunos são egressos de escola pública. Isso não me preocupa. De forma objetiva, o que compromete a universidade federal é a formação de professores e a melhora do ensino médio”, completa.
Ajustes
Dúvidas também na Federal de São João del-Rei (UFSJ), no Campo das Vertentes, que já tem programa de bônus para alunos vindos de escolas públicas. “Precisamos de ajuste para abarcar os candidatos com renda inferior a um salário mínimo e meio. Entendemos que a nossa atual política de ação afirmativa contempla a lei dentro do prazo de quatro anos e, por isso, podemos incorporar a renda depois. Apesar de estar na lei, é preciso que o conselho analise. Há uma série de questões. Como faremos a comprovação da renda, por exemplo?”, questiona o presidente da comissão do vestibular, Everson Teixeira.
Esse é outro ponto indefinido. Todas as instituições afirmam que devem repassar as mudanças aos conselhos das universidades e que eles mesmos fariam a regulamentação. Mas a assessoria do Ministério da Educação (MEC) afirma que a autonomia das federais servia apenas para a adoção das políticas afirmativas em vigor antes da Lei das Cotas. Agora, é preciso seguir as normas, que serão detalhadas entre o MEC e os reitores.
O assessor do reitor para desenvolvimento acadêmico da Universidade Federal de Lavras (Ufla), no Sul de Minas, João Crisóstomo, acredita que o impacto será grande nas instituições que têm apenas um vestibular ao ano. “Nesse caso, pode ser que haja uma movimentação jurídica, mas acho difícil uma ação contra a legislação. Vai se adaptar agora quem precisar e o restante deixará para o segundo semestre do ano que vem. Em todo edital sempre há uma brecha, permitindo a incorporação de outros editais. No fim, quem perde é o aluno”, diz.
Para a adolescente, a inclusão passa por outra questão: “Acredito que essa lei não é medida eficiente para a resolução da problemática da educação, que envolve a questão do ensino básico. É preciso investimento no ensino básico, não no superior. O governo está protelando esse problema e causará um novo”. Supervisora do ensino médio da escola, Cristiane Augusta Lopes concorda com a aluna. “O governo diz que é maneira de tirar um obstáculo em favor da democratização. Mas democrático seria uma educação básica de qualidade no sistema público”, avalia.
Editais suspensos
Publicar os editais de vestibulares sem saber como será a regulamentação da Lei das Cotas é um dos principais imbróglios das instituições federais de ensino. De pés e mãos atados, reitores decidem se esperam alguma definição para divulgar as informações já com eventuais mudanças ou se o fazem correndo o risco de anulação das regras do processo seletivo. Na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), em Uberlândia, o documento está pronto, mas, em vez de ser conhecido hoje publicamente, como estava previsto, precisou fazer escala na assessoria jurídica. O reitor Virmondes Rodrigues Júnior preferiu pedir uma revisão para saber se precisará aplicar as cotas no concurso para ingresso em 2014 ou se precisará fazer a adequação já.
“Não sabemos também a área a que se refere a lei para a definição da quantidade de alunos negros, pardos e índios, se é a região do Triângulo, do alto Paranaíba ou o estado. Há algumas questões que as pessoas têm levantado, mas ainda não chegamos a uma resposta objetiva”, disse o reitor. Ele destacou que não teme uma queda na qualidade da instituição. “Mais da metade de nossos alunos são egressos de escola pública. Isso não me preocupa. De forma objetiva, o que compromete a universidade federal é a formação de professores e a melhora do ensino médio”, completa.
Ajustes
Dúvidas também na Federal de São João del-Rei (UFSJ), no Campo das Vertentes, que já tem programa de bônus para alunos vindos de escolas públicas. “Precisamos de ajuste para abarcar os candidatos com renda inferior a um salário mínimo e meio. Entendemos que a nossa atual política de ação afirmativa contempla a lei dentro do prazo de quatro anos e, por isso, podemos incorporar a renda depois. Apesar de estar na lei, é preciso que o conselho analise. Há uma série de questões. Como faremos a comprovação da renda, por exemplo?”, questiona o presidente da comissão do vestibular, Everson Teixeira.
Esse é outro ponto indefinido. Todas as instituições afirmam que devem repassar as mudanças aos conselhos das universidades e que eles mesmos fariam a regulamentação. Mas a assessoria do Ministério da Educação (MEC) afirma que a autonomia das federais servia apenas para a adoção das políticas afirmativas em vigor antes da Lei das Cotas. Agora, é preciso seguir as normas, que serão detalhadas entre o MEC e os reitores.
O assessor do reitor para desenvolvimento acadêmico da Universidade Federal de Lavras (Ufla), no Sul de Minas, João Crisóstomo, acredita que o impacto será grande nas instituições que têm apenas um vestibular ao ano. “Nesse caso, pode ser que haja uma movimentação jurídica, mas acho difícil uma ação contra a legislação. Vai se adaptar agora quem precisar e o restante deixará para o segundo semestre do ano que vem. Em todo edital sempre há uma brecha, permitindo a incorporação de outros editais. No fim, quem perde é o aluno”, diz.
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