quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Um importante alerta! Porquê e para que criamos a associação cidadania e dignidade

* José Luiz Barbosa

A associação cidadania e dignidade, abreviatura escolhida para designar a "Associação Mineira de Defesa e Promoção da Cidadania e Dignidade", foi instituída com o propósito de complementar e colaborar no trabalho que já a alguns anos vem sendo incorporado pelas entidades de classe, num espaço até pouco tempo discriminado e minado pela ideologia de que os policiais militares são violadores "natos" de direitos humanos, o que de per si configura-se numa visível e lesiva violação, mas olvidavam-lhe sua condição e status de cidadão, e portanto, sujeito de direitos inalienáveis e também de potenciais e reais violações.    
Sabemos que não se trata de discurso novo, talvez menos ainda de planejamento para que haja um maior controle das múltiplas e complexas violações de direitos humanos, de que são vítimas frequentes e preferenciais os policiais militares, e com mais razão, intensidade e habitualidade, os praças, por se verem submetidos a uma doutrina que valoriza mais a "obediência cega," o temor reverencial e o culto a autoridade, do que a competência e as habilidades profissionais na aplicação da lei e na prevenção e repressão criminal.

A  revisão legislativa ocorrida em 2002, que aprovou a lei 14.310, que dispõe sobre o código de ética e disciplinar dos militares, ainda que com a resistência e lobby do comando, aboliu quase que por completo as arbitrariedades,  ilegalidades, e as quase naturais invasões da intimidade e da vida privada dos militares, contudo, passados quase 10 anos de sua promulgação, constata-se que se houve avanços na sedimentação da ideologia da disciplina consiente, mas pouco e timidamente se modificou a cultura enraizada pelo apartheid hieráquico que ainda vigora.

Esta perversa divisão funcional, de cargos e responsabilidades, revestido de arquitetura militar como modelo atualmente questionável de organização da segurança pública, coloca em lados opostos oficiais e praças, que se degladiam em uma luta de classe, uns por mais poder e outros pela sua democratização e humanização, abrindo-se caminho para a resolução dos conflitos interpessais pela aplicação do árbitrio nas relações de poder sob a égide da hierárquia militar, ainda que insistam em tratar tais ocorrências, como casos isolados, mas contraditatoriamente fogem ao debate e não apresentam um estudo ou pesquisa com dados e informações sobre a temática, o que tende a causar sérios e inevitáveis constrangimentos políticos e jurídicos ao Comando e ao Governo, tanto mais pelo que não fez e deveria ter feito.

Comumente casos assim são quase uma rotina no cotidiano dos policiais militares, que assim sofrem muda e silenciosamente, uma série de violações de direitos humanos e de suas garantias fundamentais, aviltando sua dignidade humana, e abalando e reduzindo sua cidadania a mera condição subalterna de seu status jurídico de militar estadual, o que por si só representa uma grave e flagrante violação de seu status de cidadão, o que lhe garante  proteção e defesa do Estado e da sociedade segundo disposições expressas da Constituição Federal e de tratados e acordos internacionais de direitos humanos.

Importa esclarecer que a fundação da associação cidadania e dignidade, não pretende substituir o papel legal e legitímo das entidades de classe, que são constituídas para representar os interesses de seus associados, mas diferente do foco estatuído, sua finalidade precípua é atuar na defesa e promoção dos direitos humanos e garantias fundamentais, cuja violação ou lesão tenha como núcleo a cidadania e a dignidade, princípios inseridos e elevados a claúsula pétrea na Carta Magna de 1988.

Então, sem provocar qualquer suscetibilidade a representação associativa instituída, mas de modo a estar desempenhando importante referencial na discussão das violações de direitos humanos, pretende-se complementarmente as ações já  desenvolvidas pelas entidades,  e com previsão em normas estatutárias de sua personalidade jurídica, atuar mais especificamente na erradicação da origem das violações e na implantação definitiva de instrumentos de planejamento para o monitoramento, acompanhamento, fiscalização, registro, avaliação e apresentação de relatório e denúncias para órgãos estatais e não governamentais, de violações ou indícios de violações.

Mesmo em se tratando de denúncia anônima, que a própria Polícia Militar, após as devidas e acautelatórias averiguações preliminares, adota como ato ensejador da instauração de procedimento investigativo e de apuração em desfavor de seus administrados, o que é plenamente possível também para violações praticadas por seus gestores e dirigentes, que se valem de seu poder e competência no exercício de seu cargo, função ou atribuição subvertendo-o para atender fins nem sempre colimados e protegidos pelo interesse público.

Sabemos que há uma lacuna imensa entre a capacidade de enfrentar esta realidade que assusta, por ser um tema polêmico e pouco discutido no âmbito das instituições militares, mas acreditamos também que somente reconhecendo a existência do problema não será o suficiente para construírmos uma solução definitiva, mas temos conciência de que o problema não só existe como precisa ser discutido e enfrentado.

É por demais desalentador e causa profunda indignação presenciar uma casa corregedora, que deveria ser a guardiã e promotora de direitos e garantias fundamentais, como aconteceu em audiência pública na comissão de direitos humanos do dia 3 de dezembro passado, ser convocada a prestar esclarecimentos sobre perseguição com suposta interferência em andamento de processo administrativo, dentres outras graves denúncias como a violação do direito de expressão e opinião assegurados em normas constitucionais, e com um agravante, se posicionar na defesa do denunciado, quando deveria resguardar sua isenção e imparcialidade como princípios inafastáveis e inerentes a sua missão.

Isto é indicativo preocupante e alarmante, de que algo não vai bem e precisa ser melhor diagnósticado e tratado, para que se evite a completa e irreversível desmoralização, sob o ponto de vista ético e do interesse público.

O móvel que nos inspira não está atrelado a nenhum sentimento menor, como vingança, vaidade, orgulho, ou mesmo promoção política, como talvez alguns irão propalar e transformar em discurso para menosprezar o que foi sendo idealizado e forjado na luta e na convicação de que somente possibilitando a participação democrática, a crítica livre e a expressão da opinião, facilitando e promovendo o exercício da cidadania haveremos de abolir as práticas lesivas e ofensivas a cidadania, e implantar uma nova cultura de que a polícia existe para proteger, mas para isto há de estar completamente absorvida no estado democrático e de direito, seja interna ou externamente.

Obviamente, se tais violações implicarem em ter que denunciar autoridades públicas, como comandantes, chefes e diretores, de órgãos da Polícia Militar, por deferência as relações institucionais pacifícas e politicamente corretas que são fundamentos para uma salutar convivência entre órgãos com competência distintas e âmbitos de atuação indepedentes e autonômos, estaremos encaminhando cópia de tais documentos já devidamente protocolados e registrados em outros órgãos de defesa e promoção dos direitos humanos, que compõem a estrutura do Estado e congenêres com igual competência. 

Neste sentido é que a associação cidadania e dignidade, estará lançando em meados de janeiro um novo e inovador projeto para que possamos não só encaminhar a denúncia de violção, mas também acompanhá-la até seu desfecho final, com publicação do resultado e das medidas que forem encaminhadas em sua tramitação.

Portanto, para concluir, adotamos como objetivos fundamentais, não a representação política e jurídica de associados como profissionais de uma determinada classe, mas sim a de representação como pessoa jurídica com responsabilidade e competência para adotar medidas e ações na defesa e promoção dos direitos humanos e garantias fundamentais, como pressuposto para o equilibrio nas relações de poder, como sistema de controle, freio e contra-peso, outorgado pelo princípio da soberania popular que se materializa na organização e participação cidadã, de é parte indissolúvel e livre de intervenção e inferferência estatal a presente associação.

Princípios como da igualdade, liberdade, justiça, ética e respeito, fundados sobretudo na promoção e garantia de que o exercício de direitos não estarão jamais sujeitos a nenhum constrangimento de natureza política institucional, e nem de cunho personalíssimo que se contamine pelo desvio, excesso, e abuso do poder hierárquico, e que muitas vezes passam despercebidos a olhos mais atentos e vigilantes, são imperativos e exigências impostergáveis na reformulação e reestruturação das Polícias e Corpos de Bombeiros Militares brasileiros.

Os atributos do ato administrativo, muitas vezes são escamoteados, ainda que exarado por autoridade competente, e ancorado em princípios de legitimidade e veracidade, pois são quase sempre as fontes dos males que causam indignação e revolta pelas violações e lesões que possam encerrar, daí que precisam estar sendo avaliados com mais precisão e acuidade, para que preventiva e defensivamente se institua uma rede integrada capaz de controlar e identificar mesmo aqueles atos que pela sua constituição possam ser compreendidos como de menor potencial ofensivo aos direitos humanos e garantias fundamentais.

Não fazemos campanha ou induzimos qualquer pessoa a se filiar a associação, mas estamos de portas abertas à filiação gratuita, sem qualquer ônus financeiro, exceto o de compartilhar das ideías e propostas alinhadas na exposição, mas até a participação com críticas e opiniões são democraticamente avaliadas para aplicação, mudança ou correção de rumos, mesmo porque suas funções, atribuições legais e constitutivas estão prioritariamente circunscritas a defesa e promoção de direitos humanos e garantias fundamentais, que se fundamentam na seguinte conceituação e características: 

"Direitos Humanos fundamentais é o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. 

São características dos direitos humanos:  

· Imprescritibilidade: são imprescritíveis, ou seja, não se perdem pelo decurso de prazo;
·         
· Inalienabilidade: não há possibilidade de transferência, seja a título gratuito ou oneroso; 
   
·  irrenunciabilidade: não podem ser objeto de renúncia (polêmica discussão: eutanásia,
aborto e suicídio);

·  inviolabilidade: impossibilidade de desrespeito por determinações infraconstitucionais ou por ato das autoridades públicas, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e criminal;

· Universalidade: a abrangência desses direitos engloba todos os indivíduos, independente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica;
· Efetividade: a atuação do Poder Púbico deve ser no sentido de garantir a efetivação dos direitos e garantias previstas, com mecanismos coercitivos; 
· Indivisibilidade: porque não devem ser analisados isoladamente. Por exemplo: o direito à vida, exige a segurança social (satisfação dos direitos econômicos). A declaração universal, lembra Flávia Piovesan, coloca no mesmo patamar de igualdade os direitos civis e políticos com os direitos econômicos e culturais. 

A dignidade da pessoa humana é um dado transcendente e suporte indispensável de qualquer organização social que afirme a existência de direitos humanos fundamentais e se disponha a torná-los efetivos e assegurados pela sociedade e pelo Estado, como um bem impostergável. Sendo inerente a pessoa, é inalienável e inviolável. É o reconhecimento da existência dessa dignidade que faz o homem diferenciar-se dos demais animais." 

Não temos ou combatemos inimigos, mas defendemos e propomos ideias, pois este o necessário e inadiável debate que ainda não vingou, mesmo com as preciosas lições dolorosamente aprendidas  e apreendidas do movimento mineiro dos praças de 1997, por alguns mais sensíveis ao ruído da dialética institucional, mas por muitos ignorada, que fizeram e ainda fazem "ouvido de mercador e vistas grossas" aos reclames e ao clamor que se instala progressiva e paulatinamente no tecido organizacional.

*Presidente da Associação Cidadania e Dignidade, bacharel em direito, ativista de direitos humanos e garantias fundamentais, Sgt PM. 
 
   
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS:  

1) OLIVEIRA, ALMIR DE. “Curso de Direitos Humanos” - 1ª Edição - Editora Forense, 2000;2) PIOVESAN, FLÁVIA. “Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional - 4ª Edição - Ed. Max Limonad, 2000;

2) PIOVESAN, FLÁVIA. “Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional - 4ª Edição - Ed. Max Limonad, 2000;








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