sexta-feira, 26 de junho de 2020

POLÍCIA 4.0 - Texto do Coronel Amauri Meireles


  • Amauri Meireles (*)
    Atualmente no Brasil, muito se fala de Economia 4.0 e, no rastro, Advocacia 4.0,
    Educação 4.0, Gestão 4.0, Indústria 4.0, que significa, para os técnicos, uso de TI
    (inteligência artificial) fomentada por data base com codificação preditiva e learning
    machine (aprendizagem da máquina). Ou é aplicação probabilística através de sistema
    de informações, que tem seus algoritmos adaptados aos novos questionamentos
    realizados pelo seu administrador. Ou, ainda, (mais fácil) é juntar inteligência artificial,
    IoT (Internet das Coisas) e análises digitais para dirigir ações mundiais. Para nós, leigos,
    uma explicação bem rasa. O mundo assistiu à primeira revolução industrial, no final do
    século XVIII, quando se usaram motores a vapor e água como fonte de energia. A
    segunda revolução industrial ocorreu entre 1870 e 1914, com a utilização de telégrafos,
    ferrovias e eletricidade nas indústrias. A terceira revolução industrial, ocorrida entre
    1950 e 1970, é conhecida como Revolução Digital ou Era da Informação, dos
    eletrônicos, da TI e das telecomunicações. Então “...tendo estas tecnologias como
    fundação, a indústria 4.0 tende a ser totalmente automatizada a partir de sistemas que
    combinam máquinas com processos digitais - a fábrica inteligente”.
    De repente, a criação de milhares de startups! No lado financeiro, as Fintechs, no
    jurídico, as Lawtechs. Levanta-se a tese de que, na questão das organizações criminosas
    (orcrim) podem surgir as ”criminaltechs", para dar suporte à criminalidade 4.0.
    Veja-se o resultado da operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), no RJ,
    em 2018. Conhecido o valor gasto e estabelecido o nexo de causalidade das ações com
    eventual redução da criminalidade, conclui-se que não foi bem-sucedida (até pelos
    dados do IPEA). Por que? Possivelmente, porque se utilizaram tática e gerenciamento
    militares, na linha amigo/inimigo, sem um adequado planejamento de "defesa social". O
    erro duplo estaria na concepção de combate ao inimigo e, o mais grave, no fato de a
    pífia operacionalização das políticas públicas, para redução da distopia estatal
    (funcionamento anômalo de órgãos estatais), não acompanhar os procedimentos táticos
    e imediatos das operações de policiamento ostensivo e de choque, no embate com
    facções criminosas. Algo parecido ocorrera, enfraquecendo a ideia, até mais bem
    elaborada, das UPPs.
    O ex-ministro Moro entendeu parcialmente o problema. E, em razão de
    consequências das ações policias contra doleiros, no âmbito da Lava Jato, de certo
    sucesso, tentou atacar as orcrim, como organizações também financeiras. Faltou-lhe
    exatamente o que a velha doutrina militar possui: pensamento tático e logístico.
    Com o ambiente de negócios do crime instalado (inclusive de forma
    transnacional, como se da vinculação da máfia italiana com organizações criminosas
    cariocas e paulistas, de traficantes a milicianos; com um fluxo constante de material,
    armas e drogas, dentro da cadeia internacional de produção/serviços, com financiamento
    abundante através das transações financeiras internacionais - corrupção, sobrepreço em
    transações, tipo esportes, apostas, bitcoin, comércio militar não contabilizado, tráfico de
    drogas, pessoas, bancos, etc), a criação de milhares de startups e franquias de grandes
    conglomerados do crime, na forma de facções ou pequenas orcrim, acontecerá de forma
    disseminada e, portanto, cada pequena orcrim terá apenas de se acoplar a uma das
    centenas de canais oferecidos para divulgar o seu produto.
    Logo, um novato empreendedor do crime pode verificar a relação de oferta e
    demanda de produtos criminosos (drogas, armas, proteção, evasão fiscal, moradia,
    órgãos humanos, etc) em uma determinada região e buscar com a empresa de crime
    local uma "sociedade/parceria" para o desenvolvimento da criminaltech.
  • Se a ideia for boa, a orcrim maior permitirá (e até indicará) os acessos ao crédito
    e ao mercado, recebendo uma gorda porcentagem. Lamentavelmente, com auxílio de
    certas bancas de advogados e contadores especializados no tema e disponíveis no
    mercado, bem como de contatos no Estado, que as orcrim possuem (quase em um
    sistema de cooperativa), a empresa crescerá sob a égide da livre iniciativa criminosa.
    Se a empresa tiver sucesso e ficar maior que o primeiro arco de orcrims, haverá
    problemas de contrafação, concorrência "desleal", briga pelo market share (quota de
    mercado). Isso aumentará a violência no ambiente e, observando o sistema de controle,
    as orcrims maiores (inclusive os financiadores) terão de intervir, para que o ambiente de
    negócios não seja contaminado, resultando no aumento desenfreado de confrontos.
    O problema estaria em uma faceta do sistema capitalista, que evidencia ser, por
    natureza, autofágico, ou seja, ele vive de crises periódicas provocadas também pelo
    excesso de ganância, busca de poder e controle. A tendência é o poder subir à cabeça de
    quem está em ascensão, perdendo o contato com a realidade e saindo do controle do
    sistema criminoso, exatamente em razão de pensar que não pode ser atingido. Talvez as
    pistas sejam deixadas por ele próprio.
    A ideia é dar efetividade à concertação de políticas públicas e ação policial, para
    aumentar o risco da atividade criminosa e diminuir sua lucratividade na base, com
    ênfase para o trabalho de inteligência. Desenhado, conhecido o fluxo do dinheiro (que
    poderá chegar aos bancos, ao Estado, ao comércio exterior, ao futebol, etc) o ataque
    às artérias que estão se formando, antes de se capilarizarem. É claro que isso foi
    pensado e não é realizado por falta de gestão eficiente, mas, entende-se, isso pode ser
    diferente. Basta planejar, observando, também, características de um ambiente de
    negócio, embasado em uma "Polícia 4.0".
    E isso está passando da hora, pois a Sociedade 5.0, “...a tecnologia centrada
    na humanidade para nos ajudar a aproveitar a vida da melhor maneira possível”,
    conforme Yoko Ishikura, consultora do Fórum Econômico Mundial, está batendo em
    nossa porta. Para isso, ela defende três valores-chave: sustentabilidade, abertura e
    inclusão.
    É tudo que a Polícia quer! Afinal, na medida em que a Policiologia se fortalece,
    fica evidente que a criminalidade é um macrofenômeno sociopolítico e, não, apenas, um
    microfenômeno policial
    (*) Coronel Veterano da PMMG
    Foi Comandante da Região Metropolitana de BH

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