O ex-presidente é investigado por causa do sítio, do triplex e das palestras que fazia
Lula e Dilma acenam na varanda da casa do ex-presidente em São Bernardo do Campo
Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Em meio à crise política, é aguardada para esta terça (15) ou
quarta-feira (16) uma decisão sobre a possível nomeação do ex-presidente
Lula como ministro do governo de Dilma Rousseff.
Alvo principal da 24ª fase da Operação Lava Jato, chamada Aletheia, Lula
ficou sob holofotes desde que foi levado em condução coercitiva a
prestar depoimento na Polícia Federal.
As investigações em curso sobre Lula dizem respeito basicamente a três
pilares principais: reformas e benfeitorias feitas pela construtora OAS
em um triplex no Guarujá, ocultação de propriedades no nome de terceiros
(no caso de dois sítios em Atibaia que teriam sido adquiridos pelo
ex-presidente em 2010) e "pagamentos vultuosos" feitos por construtoras
beneficiadas no esquema de corrupção na Petrobras em favor do Instituto
Lula e da LILS Palestras.
Se Lula virar ministro, as investigações sobre ele continuariam, mas
ganhariam um novo elemento: o ex-presidente contaria com o chamado "foro
privilegiado". Mas, na prática, o que isso significa? A BBC Brasil
conversou com especialistas em Direito Penal e Constitucional, além de
uma ex-promotora de Justiça, para esclarecer a situação.
O que aconteceria com as investigações que estão em curso?
Todas essas suspeitas estavam sendo investigadas em primeira instância
até agora na 13ª Vara Federal de Curitiba sob o comando do juiz Sérgio
Moro – a denúncia feita na semana passada pelo Ministério Público de São
Paulo foi encaminhada nesta segunda-feira ao mesmo tribunal.
Mas com a eventual nomeação de Lula como ministro, tanto a investigação
quanto o julgamento do ex-presidente passariam automaticamente para
instâncias superiores.
"Com o foro privilegiado, ele passa a ser julgado direto em última
instância. Isso significa que todo o processo tem de ser remetido para o
Supremo Tribunal Federal, ele (o processo) e todas as provas", afirmou à
BBC Brasil o professor de Direito Processual Penal da PUC-SP, Claudio
José Langroiva Pereira.
Isso porque, como ministro, Lula passaria a ter foro privilegiado. Tudo o
que o Ministério Público do Estado de São Paulo já apurou tem validade,
mas será remetido aos procuradores da República, de instância federal. O
julgamento seria feito pelo Supremo Tribunal Federal e não mais pelo
juiz Sérgio Moro.
Com foro privilegiado, Lula passa a ser julgado pelo STF, e não mais pelo juiz Sérgio Moro.
O que é foro privilegiado?
A lei brasileira entende que há pessoas que exercem cargos e funções de
especial relevância para o Estado e, em atenção a eles, é necessário que
sejam processados por órgãos superiores, de instância mais elevada.
Isso porque órgãos superiores teriam maior independência para julgar
altas autoridades dos três poderes (Executivo, Legislativo e
Judiciário).
No caso do presidente da República, dos secretários de governo e dos
ministros, por exemplo, o órgão responsável é o Supremo Tribunal
Federal, o mais alto do Judiciário.
Qual seria a consequência de Lula ser julgado pelo STF?
Se o caso for direto a julgamento em última instância, isso faria com
que o processo para uma eventual condenação ou absolvição fosse mais
curto. Se Lula fosse julgado na Vara de Curitiba – e se houvesse uma
eventual condenação -, ele poderia recorrer em mais duas instâncias, até
que o STF desse a decisão definitiva.
Para a advogada e ex-promotora de Justiça do MP de São Paulo, Luiza
Nagib Eluf, o processo seria muito mais rápido - como aconteceu com o
caso do "mensalão", que também foi julgado pelo STF por envolver
parlamentares com foro privilegiado.
"Foi rapidamente resolvido. As pessoas acharam que demorou, mas porque
nem todo mundo sabe quanto tempo leva quando inicia na primeira
instância. É muito mais rápido quando você começa pelo fim, já que o STF
é a última."
O professor da PUC-SP Claudio José Langroiva Pereira concorda que a
conclusão do processo seria mais rápida, mas acredita que o julgamento
poderia demorar mais a acontecer, porque na procuradoria a investigação
tende a ser um pouco mais lenta.
Com STF assumindo caso, conclusão sobre processo contra Lula tende a ser mais rápido, segundo especialistas
"O Moro tem costume de trabalhar muito rápido com processo, ele tem uma
sistemática própria que faz com que os casos sejam mais agilizados, o
fato de tudo ser informatizado no Paraná também facilita", disse.
"Na procuradoria, também é informatizado, mas eles têm sua velocidade
própria e também têm um número muito maior de processos. Não dá para
garantir que a velocidade (da investigação) será a mesma."
Lula teria mais vantagens ou desvantagens com a mudança?
Segundo Luiza Nagib Eluf, a mudança poderia ser favorável a Lula. Ela
chama atenção para o fato de que alguns ministros do Supremo foram
nomeados por Lula e Dilma e deram declarações favoráveis a eles.
"Existem alguns ministros mais simpáticos ao presidente Lula e a Dilma.
Mas, qual é o dever do julgador? É se manter equidistante e imparcial."
Para Eluf, "tanto o convite de Dilma quanto a aceitação desse convite dá
uma sensação de que isso aconteceu para dificultar a aplicação da lei",
ao "evitar um juiz especialmente, que se chama Sérgio Moro."
Já para o professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano,
Lula teria mais desvantagens se for julgado como ministro do que teria
sem o foro privilegiado.
"Judicialmente, é pior para ele. Porque depois da decisão do STF, não há
como apelar para outra instância porque você já é julgado direto na
última", disse à BBC Brasil.
Condução coercitiva de Lula para prestar depoimento gerou polêmica e dividiu opiniões de advogados
Serrano também colocou como desvantagem o fato de a Operação Lava Jato
estar muito em evidência na mídia, o que pode acabar influenciando o
andamento e a conclusão das investigações.
"Acho que o que ocorre aí é que o espetáculo substitui o processo penal.
O direito de defesa vira uma maquiagem. São processos que você já sabe o
resultado. A narrativa acusatória da mídia se impõe sobre qualquer
argumento de defesa", afirmou.
"Não há quase nenhum espaço para a defesa na Lava Jato. Essa relação (da Justiça com a mídia) precisa ser discutida."
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